O que fizeram os cientistas com os índios ianomâmi?

Por Ricardo Besen


Um livro chamado "Darkness in El Dorado: How Scientists and Journalists Devastated the Amazon" (Trevas no Eldorado: Como Cientistas e Jornalistas Devastaram a Amazônia), do jornalista Patrick Tierney, está colocando em polvorosa a comunidade científica americana.Tierney acusa cientistas dos EUA de terem feito experiências com os índios ianomâmi que teriam extrapolado o caráter meramente científico, na Amazônia, entre 1966 e 1995. Ele acusa o antropólogo Napoleon Chagnon, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, de ter encenado conflitos entre índios ianomâmi, para fundamentar a hipótese de que a violência estaria presente no homem desde seus primórdios. Outro pesquisador, o geneticista James Neel, é acusado de realizar testes com vacina anti-sarampo entre os nativos em 1968, que teriam levado à morte centenas de ianomâmi, sem que os antropólogos agissem para deter a doença; ao contrário, teriam-na usado para poder documentar seus efeitos.


A obra vem provocando trocas violentas de acusações entre defensores e acusadores de Tierney. Clifford Geertz, um dos mais conceituados antropólogos americanos, resenhou o livro para "The New York Review of Books".

Geertz inicia listando e detalhando as acusações mencionadas acima (algumas inclusive comparando a ação dos cientistas à do médico nazista Josef Mengele), para depois comentar o livro.

Ele cita trechos da obra: "No final, os ianomâmi concluíram que Chagnon estava ali simplesmente para roubá-los, até o sangue. (...) Neel e seus discípulos impregnaram a natureza impessoal da evolução com uma contribuição pessoal: a seleção natural tornou-se egoísta, assassina, cruel e fraudulenta. (...) As tentativas (de Chagnon) de retratar os ianomâmi como arquétipos da ferocidade seriam patéticas se não fosse por suas conseqüências políticas.(...) Tal ferocidade tornou-se prova, para alguns cientistas sociais, de que a competição cruel entre os homens e a seleção sexual não podem ser soterradas por leis feitas por idealistas bem intencionados".

Geertz diz que as acusações são muito graves e requerem evidências completas, o que o livro não traz. Para ele, a obra é desigual e Tierney é vago em muitas de suas afirmações. Ele considera, no entanto, que conforme a discussão sobre a obra prossegue, vai ficando claro que muitos dos procedimentos dos cientistas merecem realmente ser estudados de forma detalhada.

Geertz afirma que o maior problema de todos é o fato de os cientistas terem considerado os ianomâmi não como um povo, mas como uma população, e terem levado essa concepção ao extremo, em nome de sua pesquisa.

Essa concepção adveio da crença de Neel de que os ianomâmi são (ou eram) a comunidade mais próxima do intocado e do não-aculturado, última representação viva de nossa condição ancestral.

Chagnon passou 25 anos tentando desesperadamente encontrar provas para a hipótese de Neel, de que a masculinidade, a violência, a dominação e a apropriação de mulheres são ligadas seletivamente nas sociedades tribais por meio da fertilidade diferenciada de seus líderes e que, portanto, a atividade guerreira e a desigualdade teriam sido as forças motrizes que separaram o homo sapiens dos outros primatas. Chagnon, diz Geertz, tornou-se vítima desta hipótese.

Neel morreu em fevereiro de 2000. Chagnon nega as acusações de Tierney e diz que pensa em processá-lo. Enquanto isso, os experimentos cessaram, os cientistas partiram, as populações ianomâmi estão diminuindo. Geertz pergunta: quem se interessará agora por um povo de "ex-primitivos"?

("Darkness in El Dorado: How Scientists and Journalists Devastated the Amazon", 416 págs., US 22.36 (na amazon.com), W.W.Norton & Company)


 

online source: http://www.ig.com.br/paginas/igler/destaques/indios/.

 


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